sexta-feira, 29 de junho de 2007

Viagem Estelar

Tela de Josephine Wall

Estou partindo.
Pego ainda hoje uma cápsula estelar.
Atravessarei o plasma incandescente das estrelas,
Para poder sentir de perto o vento solar.
Minha nave é protegida por um escudo de sombra,
E é na penumbra do universo que eu navegarei.

Por minha vontade não levarei ogivas nucleares,
Pois minha viagem não terá volta,
Portanto não terei que me defender das nebulosas.

É de forma avassaladora que perfurarei
A massa estelar para um futuro incerto.

Vejo o caminho que se forma,
Como um rastro de luz azulado,
Estou no vácuo do mundo.
Vou sentada num quartzo rosa para minha proteção.
Tem a forma cilíndrica como um escudo.

Minha visita ao desconhecido
É uma oportunidade que me dou.
Amanhã, talvez, eu seja somente pó de estrelas.
Mas, hoje estou preparada,
Meus instrumentos guiam-me nesta missão,
O detector de partículas
Está funcionando a todo vapor.

Passo por um planeta de superfície enevoado
De aspecto revelador,
Um rosto humano está gravado em seu campo de luz.

Minha nave está em uma velocidade imprevisível .
Quero elucidar esse mistério,
Volto para colher pistas e sou envolvida
Por um turbulento campo magnético.

Vou sendo sugada por uma
Tempestade de luzes e cores,
Indo diretamente ao âmago do estranho planeta.

No percurso da turbulenta viagem
Vejo vultos transparentes.
Meus equipamentos silenciam,
Meu corpo parece estar totalmente adormecido.
Sou leve e desloco-me com incrível mobilidade.
Faço parte de tudo.
Os seres aproximam-se, são como eu.
Chegou à hora do conhecimento.

Um deles toca-me e eu fundo-me em seu corpo.
Agora é claro,
Todas as cores se juntam,
Fazendo-me um fulgor de brilho intenso.
E em um átimo de segundo,
Eu sou um corpo estelar.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Sonho

Tela de Emile Munier

Aquele que sonha
É envolvido por uma tênue
Camada do hálito dos Anjos.
No sonho retornamos ao estado
De jardineiros de Deus.
Aramos uma fértil terra
Onde tudo é possível.

É quando temos a oportunidade
De mandarmos sinais
Àqueles que se foram.
Onde transpomos a porta
Do eterno retorno.
Onde nos encontramos
Com o Anjo Errante
E vivemos o déjà vu
De nossa existência no céu.

Com ele sentimos
Como é pungente e intensa
A elasticidade do tempo.
Um terreno onde a percepção
Dos objetos que nos rodeiam
Podem ser ambíguas.

E por todo o conhecimento
De nosso mundo vir em flashs,
Nosso Anjo paira na fluorescência
Das luzes que sentimos ao fechar os olhos.

Ele se esconde naqueles espaços de luz
Que transmudam quando estamos
Entre o real e o sonho.
Quando mergulhamos nos subterrâneos
Do inconsciente e os pesadelos se formam.

O anjo de nosso ser
Traz-nos de volta com um facho
De uma luz condutora que nos impede
De sucumbirmos no abismo das sombras,
Pois só ele conhece as passagens.



segunda-feira, 25 de junho de 2007

Sombras


Tela de Alphose Mucha

A noite entra porta adentro,
Com ela vem junto à solidão.
E nessa hora de inquietação e cisma,
Minha treva interna teima em ter razão.

Minha alma queima de pensar naquele,
Que invisivelmente entra em meu coração.
Que dança compassos em louco delírio,
Atormentando minha alma que nunca diz não.

Quem fez a noite tão sombria e escura,
Sem seu corpo ardente para eu tocar?
E das sombras aponta como um farol,
A voz da razão para me acordar!

domingo, 24 de junho de 2007

Coruja Suindara

Tela Naif de Guido Vedovato


Ela costumava ficar
No castanheiro frondoso,
Mostrava-se quieta e soturna.
Já no inicio do crepúsculo
E a noite inteira,
Reinava como rainha absoluta do silêncio.

Sempre teve um arsenal de planos
E alerta observava,
Até poder quebrar o encanto.

Então, descia de seu recolhimento
E planava nas camadas
Quentes de ar.
E de repente,
Surgia num rompante,
Sem que ninguém se desse conta,
Nem mesmo a presa de seu olhar.

E saciada e plena
Voltava ao castanheiro
A olhar e olhar.

sábado, 23 de junho de 2007

Mesmo que Breve

Ilustração de Ciruelo Cabral

Pedi ao crepúsculo
Um pouco mais de sol,
Um pouco mais de luz.
É o que quero receber
Quando chegar o amanhã.

Quero esquecer águas geladas,
Que passaram pelo meu corpo,
Quero secar minha pele,
No sol dos braços de um novo amor.

Afrontar um novo desejo,
Renovar o valor supremo da vontade,
Dando oportunidades ao meu mistério,
A essa nova luz que virá.

Entregarei-me a ele como a um Norte.
E dentro de nós nascerá um destino.
Liberta estarei dessa longa espera
E essa luz de prazer crescerá para mim.
A dor de existir mesmo que breve,
Em teus braços valerá por nosso amor!





terça-feira, 19 de junho de 2007

Sombra

Tela de Frank Weston Benson

Cada dia suporto duras penas,
Pesadelos me atormentam,
Pois é o âmago da pena,
Que se cola em mim.

Vou entregue e desprotegida,
No todo e em tudo,
Ouço um suspirar que não quero ouvir.

Sombra agoura de pesar tormento,
Afaste seu manto desse meu penar.
Risca-me de seu pergaminho,
Esquece a ressonância de seu farejar.

Sinto o tempo que se vai ligeiro,
Apagando a ninfa de meu existir.
Choro réstias de um clamor de chamas,
Que extingue a chuva desse meu porvir.

Afaste de mim coroa e flores,
Por mais que as ame e me lembre amantes,
O barco de rosas que gira a minha volta,
Não me trás alivio nem por um instante.

Esqueçam as minhas pegadas,
Que ainda querem rodear caminhos.
Se em cem anos quiseres voltar,
Quem sabe então, me envolverei em linhos.


segunda-feira, 18 de junho de 2007

Sede

Tela de Claude Lorrain


Não é mais o coração que dói,
É a minha alma, é a calma, é a sombra,
É o pássaro sombrio do que resta,
Do que sobra desse canto, encanto,
Encantamento.
Esse espanto exato
Do que passa pelo coração.
É o riso extremo da razão
Que dói, que faz sofrer
E traz de volta aquela sede
Que estreita o horizonte,
Que adivinha o azul que some,
Que cansa a minha alma
Que sozinha dorme.
Vai atravessando a calma,
Marcando pegadas,
Enquanto o verde estende-se
E adivinha a sede,
Devorando estradas,
Instala-se em minha boca
Quase tarde, e como senha,
Marca-me e mata-me.

Santa Marina

Ilustração de Bob Eggleton

A dor líquida e sonora,
Vinda num mar de espasmos,
Terremoto abrindo estrada,
Que ia levando uma procissão
De nervos e ossos.
Destruindo tudo no vale da cintura,
Desenrolando-se um cataclismo
No corpo branco e liso.
Ela machucava com precisão de mestre,
Dava testemunho de sua arte
Na fundição dos gritos.
Houve pressas, esquecimentos,
Idas e vindas.
Doutores sussurrando vozes,
Manejos de agulhas,
Tesouras e pinças.
Respiração em tubos,
Líquidos cristalinos,
Entorpecentes e calmadores.
Touca branca, linho engomado,
Noviças e mestres,
Com seus crisóis preciosos
Esculpindo minha carne fresca.
E uma luz resplandecia
A alma e além dela.
Vou numa barca celestial
Em cúpula cabalística,
E paro na fronteira arquitetônica,
Da sala esterilizada.
Santa Marina
Rogai por minha pedra cristalina,
Enquanto esses seres alados,
Passeiam sob a luz
De altíssimas janelas.
Tão pouco pano
Cobre-me à carne trêmula,
Antes de fundirem-me
No esquecimento,
Ouso a voz de Santa Marina,
Aceitando minha voz chorosa.
Dou-lhe ouro pelo acalanto,
E prata pelas lágrimas recolhidas.
Volto ao capricho,
De um corpo de melindres,
De idas e vindas
Que se acalmam.
Depois de brevíssimo silêncio,
E incenso queimado à minha Santa,
Desprendo-me dela
E sigo em frente,
Sou de novo metal,
Trabalhada agora
Por antiga ourivesaria,
Tendo só valor sentimental
Como jóia de família.



sábado, 16 de junho de 2007

As Margaridas são Eternas

Tela de Claudette LeFrançois

Nada afeta o seu esplendor
Ela é linda e dança
No compasso de seu jardim

Conta os dias e as noites,
Guarda lembrança de tudo,
Chuva fina, chuvarada,
Jardineiro e passarinho.

À noite, quando tudo dorme,
Ouve o sussurro do vento,
Sente o carinho do orvalho
E se solta da haste que a prende.

Vislumbra algo maior,
Num mundo cheio de luz.
Volta para o cosmo para viver

Seu primordial destino.

Quem passa pelo jardim,
E a margarida não vê,
Não imagina a estrela
Que ela se tornou!

quinta-feira, 14 de junho de 2007

O Lobo

Tela de Bóris Vallejo

Por entre as folhagens
De uma floresta escura,
Alguém rugia
Um som de procura.

Sinistro e profundo
Eram seus olhos de fogo,
Buscando sua presa
Numa confusão de loucura.
À ronda de sua noite
Era derradeira e certa.

Quando encontrou
Aquele pequeno e frágil ser,
Adormecido num cálice de folha,
Deitou-se sobre ele em êxtase.
Debatendo-se entre uivos e dentes,
Rasgou-lhe a carne trêmula,
Lambendo-lhe o sangue que escorria,
Enquanto penetrava até o fim
De seu corpo humano e ansioso.

O Catador de Papel

Tela de Aleksander Kotsis

O caminho do papel
É sempre cheio
De possibilidades.
Eu caminho
Dentro da noite
Porque o meu sonho
Acaba tarde.
Junto folhas que voam
Ao sabor do vento.
Que contêm
Perguntas e respostas
Cheias de possibilidades.

É noite de néon,
A vida parece plena.
Entre as frestas,
Dois olhos espiam.
Há que se cuidar,
A coragem não pode faltar.

A vida é um sonho.
A vida é um homem,
Que passa com um grande
Saco de sonhos,
Cheio de possibilidades.

O Anjo da Alegria

Tela (desconheço o autor)

Quem nos céus deu a ordem
Para que tu te apartaste de mim?
Não viram eles que estavas comigo?
Que eras o meu amor?
Porque não foi outro o escolhido?
Um que não fizesse tanta falta.
Outro que ninguém amasse tanto?

Eu agora estou num abismo,
Tão profundo e escuro,
Que nem uma tênue luz
Pode me alcançar.

De ti só restou-me a lembrança do sorriso,
E nossos encontros em meus sonhos,
Que suavemente me diz:

Não chores nem se torne infeliz,
O meu tempo já era contado e certo.
Vivi o melhor de mim em ti,
Dei-te o melhor de meu amor.
Agora que tenho que partir,
Deixa-me.

Vou, na certeza de escolher,
O melhor lugar para ti
Junto a mim.
Mas agora,
Tens que viver o seu tempo inteiro,
E não se abandonar à tristeza.
Afaste-a de ti!

Os anjos são aliados da alegria,
E o Eterno em sua sabedoria,
Conta as lágrimas das mulheres,
Deixando os anjos contarem as alegrias.

Quando você sorri,
Trás para si felicidade.
E transborda-me de alegria.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

O Mar

Ilustração de Jim Warren

Líquida me tornei em teus braços.
Escorri-me no que era exato.
Derramei-me em teu dorso quente,
Que se dobrou em concha a me represar.

Procurei fendas escoei regatos
Encontrando braços a me amparar.
Derrubei barreiras modulei mil voltas,
Até ser inteira em um jarro teu.

Fui bebida aos goles de quem febre ardia
E foi tão nascente essa sede louca
Que senti sua boca, eterno sugar.

Num fervor que pede consenti respingos,
Dessa minha água eu fiz derramar.
Evaporei gotas ondulando pele
Escorri-me em névoa para te alcançar.

Penetrei abismos e fui sacudida,
Até dissolver-me neste teu olhar.
Escoei doçura num último espasmo
De êxtase líquido por te abraçar.

E virei dilúvio, encharquei-me em brasas,
Implorei tua boca que tem dentro o mar.

Libélula

Tela de Zhang Wanyng

Súbita e breve
De asas de véu,
Azul como o céu,
Batendo tão leve!
Escapa do olhar
Se quiser roubar.
Desenho um traço,
Tatuo um laço,
Libélula que faço,
Ranhura de luz.

Prece

Desenho de Alan Lee

Luz do mundo
Faz-me de coração puro,
Para direito ter ao
Jardim das Delícias.
Levanta-me como justa e fiel a Ti.
Afasta-me do Vale da Sedução
E me dê o auxílio merecido.
Longe de mim o fatalismo e o fanatismo
Para corromper meu coração.

Estabeleça em mim
A justiça e a força do querer.
Amo-Te acima de tudo
Seguirei o fio de
Tuas palavras.
Doce é o néctar de Teu cântaro,
Que beberei com a certeza de a Ti pertencer.
Tu me farás eterna através dos meus.
Herdeira sei que sou de Tuas riquezas,
Portanto é meu dever cuidar
Dos tesouros que me deixou.
Tenho de Ti o sol, a lua, e as estrelas,
O Mar, as montanhas e as árvores,
Que mais hei de querer!
Fizeste-me como
Tu e agradeço.
Assim espero em Ti,
Pois meus olhos serão atendidos!

O Melhor de Deus

Ilustração de Alan Lee

Contemplo o horizonte
A beira desse abismo.
O silêncio que envolve tudo
É rompido
Como quando se ouve
O bater de asas.
O som de um murmúrio surge
E vem reverenciar-me.
Sou envolvida por ele
Como numa rede de Indra
E espelho-me nesse fio de luz.
Juntos contemplamos a Terra
Em comunhão com nosso respirar.


Muitas noites se passaram
Desde o dia de nossa juventude.
Hoje estamos aqui
Na borda do universo,
Diante dessa vastidão cósmica,
Tão pequenos,
Tentando acertar a sintonia fina
Dessa metáfora que é o mundo.
Ao longe,
A meio caminho às trevas,
Um feixe de luz
Como espadas,
Rompe a escuridão,
Envolvendo-nos,
Fazendo-nos um só,
Dizendo-nos que somos
O melhor de Deus
Depois de muitas tentativas.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Olhar

Pintura de Josephine Wall

Descortino o universo
Sombrio e escondido.
Mostro por um instante,
Uma única visão crepuscular,
Àquela primeira,
Que o olho de Deus tocou.
Ele cede-me seu olhar
E eu apanho essa visão
De navegante conquistador.

Incrusto-me na abóbada celeste,
Que irradia um som lírico
Na trajetória dos cometas,
E em delírio, fundimo-nos,
Como aquarela no cosmo.

Derramo-me no firmamento
Em delírio supremo.
Pinto os astros de cores,
Esfumaçando os contornos,
Com sopro divino.

E por uma vontade desconhecida,
Retorno ao molecular
Desejo de ser humana.
Alastrando-me nas nuvens,
Sou envolvida pelo turbulento
Aconchego da civilização terrestre.

Acolhida como anjo caído,
Curvo-me nessa vontade,
Precipito-me a esse peso
Que hiberna no coração dos homens.
Dou-me a eles e compartilho
Minha existência cósmica.
Faço brilhar em mim sua faísca de sol.

Enquanto giro,
Arrasto o tempo e o espaço
E o meu redor é alterado
Pelas órbitas humanas.

Revelação da Coisas

Tela de Pierre Auguste Cot



Quando fui visitada
Pela senhora das palavras
Estava desprevenida e visível.

Fui aos poucos sendo cristalizada
Pela sua métrica condutora.
Aos poucos estava condenada
A um dom que se imprimiu
Em mim como ferro em brasa.

Passei a respirar palavras e
Comecei a organizá-las
Numa semântica impecável
Que desbloqueava as possibilidades.

Então me soltei,
Incorporei-me na obscuridade do mundo.

Procurei caminhos desconexos,
Que com o tempo
Foram se multiplicando
Enchendo-me de vontade,
Para interpretar
As entrelinhas do texto de minha vida,
Dando-me coragem
De me tornar o que sou.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

O Relógio

Tela de Magritte

Ele era de marca,
Daqueles que cristalizavam
Os olhos de quem o via.
Batia um tic-tac
Alertando-me da preciosidade
Dos segundos.

Foi fazendo parte de mim
Envolvendo-me naquele
Seu ritmo constante.

Trazia para dentro
De meu corpo
Uma nova ordem,
Um encontro de mecanismo
Que substituía uma permeabilidade
Transferindo-me num jogo revelador.

Era o mestre dos ponteiros
Que confirmavam
O andamento de uma obsessão
Desesperada do tempo.

E um dia, sem ao menos
Ter percebido,
Ele tornou-se uma certeza:
Era eu quem fazia parte dele.

Elfo


Ilustração de Alan Lee


Quero voltar tão logo viva
Tudo o que vim fazer.

 
Como um elfo rodeado
De silêncio,
Ouço o sussurro das árvores
E sinto as carícias do orvalho.

 
Sou verde como a orla da floresta.
Marco com passos largos,
Meu caminho de volta.

 
Vou viver no meu céu,
Contar minhas estrelas
E minhas folhas ao vento!

Encontro

Ilustração (desconheço o autor)

Preguiçosamente,
Languidamente,
Deixo-me ficar
Nessa atmosfera
Morna e almiscarada.

O real me foge
E o surrealismo surge
Entre o piscar de meu olho mágico.

O sangue corre quente,
Tingindo de cores brilhantes
O horizonte.
Não me iludo com promessas,
Meu encantamento reside
No mistério das coisas simples.

Vivencio esse corpo nu,
Folheando-o como a um livro
E desvendo esse mistério perene.

Descubro a verdade
De minha alma.
Ela vive no imaginário
E se encanta em descobrir
As estruturas reais.

Vislumbro a possibilidade da harmonia
Que se traduz no encontro.
O encontro é a revelação
Do mistério que se faz divino.

Os diferentes se encontram
E fundem-se sem medo.
O velho torna-se novo
E eu dissolvo-me em seu corpo.


Em Torno

Fotografia de George Ghio

Escrevo seu poema
E de repente
Estou escorrendo do papel.
Acabo de morrer.
Fico pairando no ar
Querendo precipitar-me
Para dentro de mim mesma.

Aquelas raízes
Que me prendiam ao chão,
Soltaram-se.
Meu coração se foi,
Prendi-me neste licor de limbo
E aqui estou.

O som é-me inexistente,
Mas sinto o gosto do barulho.
Morri numa letra atroz de seu poema
E acordei fora de mim.
Agora pairo no ar ofegante por ele.
Concentro-me na linha escura
Da letra rompida.

As palavras do poema embaralham-se
Tentando dizer-me algo.
Espanto-me com esse redemoinho de letras.
Vou entrando pelas dobras das coisas,
Escôo-me inteira dentro do papel.
Nada mais me importa.
Escorrego-me entre as linhas paralelas
E oxido-me vermelho sangue.



Noite

Pintura de Marc Chagall

Que entre a noite
Com voz de soprano e
Acalante-me
Com o seu suspirar.

Vem noite escura
De ultrapassar
Umbrais
Que o dia é perto
Do meu despertar.

Deite em meu horto
De sombra e espera,
Faz-me existir
Em sua canção.

Que entre a noite,
Inteira e escura
Que resistirei à lua
Com seu esplendor.

Dançarei nua e
Serei livre,
Dos pudores todos,
Que o dia deixou.

E serei achada
No girar do tempo,
O dia e a noite,
Do meu despertar.

sábado, 9 de junho de 2007

Faraó Akhenaton


E olhando para o alto
Pude contemplar
O mundo superior.
Lá...
Onde se esconde
O Ser Eterno e
Único
Pude ver o meu reflexo.
Eu sou a imagem
Daquele que me criou.
Eu sou aquele
Que conduz
Para a luz
Aqueles que se escondem.
Vejo
través do umbral,
A luz maior
Que flama na eternidade.
É lá que farei
Minha morada,
E beberei do cântaro sagrado,
A água da vida eterna.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Caçador de Relâmpagos

Ilustração (desconheço o autor)

Estou formalizando
O foco de minha intenção.
Eu não consigo me inserir
Se a questão é a ilusão.
Vou desviando dos olhos
Que condensam a luz maior
Que tenta seqüestrar os segundos
Do clarão que antecede o pior.
Aquele risco de fogo
Que agora eu vi no céu
Com certeza é a fração
De uma infinita coleção de dor.
Que modo é esse de medir o tempo,
Com fachos e clarões no céu,
Eu sei que nas profundezas da alma
É que se dá a grande explosão.
Sou testemunha de todos os relâmpagos
Seqüestrados de meus desejos
E de minha capacidade de permanecer
Maravilhado com pequenos flashs de beijos.
Expandir meu campo magnético
É um risco esperado com sorte
E o vislumbre mais forte
É o fatal relâmpago da morte.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Cristóvão Colombo

 

  Tela de Jake Baddeley

Sou um fazedor de sonhos,
Um arquiteto de esperanças.
Sou um construtor de vontades,
Um fabricante de coisas invisíveis.
Sou um mágico que se prendeu
Em uma caixa de ilusões
E espera que uma fada venha soltá-lo. 
Minhas noites são de longas vigílias,
Estou preste a fazer a utopia real.
Singro por esse mar tenebroso
Buscando uma ilha imaginária.
Temo perder-me em meu próprio rastro
E deixar de ser o herói mitológico
Das façanhas impossíveis.
Tenho o espírito convulsionado
Pela mesquinhez de minha época.
Avanço no tempo com o mesmo passo
Que avanço no espaço.
Torno-me testemunha do conhecimento,
Abro os olhos e vejo o mal.
Agora sei que tenho escolhas
E assim prefiro ver o que é real.
Minha escolha
Foi buscar o Novo Mundo,
Cheio de grandezas e esperanças,
Mas o que descobri realmente,
Foi que, o poder corrói e nunca dorme.
Por isso eu vigio!

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Valer a Pena

Pintura de Alphonse Musa

Eu vi que logo abaixo,
Onde o cotidiano existe,
Ali na superfície de tudo,
Há um mundo real
Que eu não conheço.
E alguém me disse
Que a vida vale a pena!
Estou sendo persuadida
Por um olhar avaliador,
Que me coloca
Na ótica do cotidiano
E eu não me encaixo nele.
Analiso a minha existência,
E é como caminhar no escuro
De mãos dadas com o inimigo,
Que confirma minha solidão
No universo.
Atrevo-me a tocar
Esse manto espesso,
Que encobre a realidade,
E tenho uma intuição
De que as coisas,
Não se suportam.
Elas estão flutuando
Num espaço cósmico,
Esperando para serem escolhidas.
E eu escolho a possibilidade
De portar uma mensagem:
Quero transpor o espaço
Estando lá e aqui,
Sendo uma única entidade.
Quero conectar-me com o todo,
Estando em tudo sempre.
Quero girar sobre mim mesma
E me sentir parada
Na imensidão de minha existência.
Ter o direito de ser
A peça principal de minha realidade.
E numa névoa de força invisível
Permear o cosmo de minha vida
Fazendo-o valer a pena.

Explorador de Galáxias

Pintura de Josephine Wall

Sou dono do observatório,
Vago à noite por planetas,
Estrelas e galáxias.
Meu coração tem sua morada na noite.
O mistério do lado escuro da Lua eu vi.
Sua face visível não conta
Os mistérios do Mare Orientale,
Cratera de mel nas regiões sombrias.
Meu coração se orienta
E capta visões fragmentadas
Num mar de delícias.
Sou um amador e sigo sozinho,
Procurando jovens estrelas
Que se mostrem para mim.
Objetos passageiros na
Atmosfera de meus sonhos,
Detectam a massa invisível
Dos meus sentimentos.
A dinâmica do Universo
Expande-se em meu corpo.
Sonho que Deus se mostra criando mundos,
Cada um com sua calda de gazes e poeira,
Brilhando a luz do Sol distante.
Meu coração viaja nas profundezas do céu.
E lá está! Corpos perfeitos e tranqüilos
Mostrando-se aos meus olhos.
Eu sigo colecionando pequenos cometas
E belos asteróides.
Eu sei que Deus os cria para
Que eu possa admirá-los.
Sou o cavaleiro da noite,
Vasculhando os cumes e as
Profundezas da alma humana,
Sempre viajando pelas visões de Deus.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Encontro

Ilustração de Tarlei Melo

Preguiçosamente,
Languidamente,
Deixo-me ficar
Nessa atmosfera
Morna e almiscarada.

O real me foge
E o surrealismo surge
Entre o piscar de meu olho mágico.

O sangue corre quente,
Tingindo de cores brilhantes
O horizonte.
Não me iludo com promessas,
Meu encantamento reside
No mistério das coisas simples.

Vivencio esse corpo nu,
Folheando-o como a um livro
E desvendo esse mistério perene.

Descubro a verdade
De minha alma.
Ela vive no imaginário
E se encanta em descobrir
As estruturas reais.

Vislumbro a possibilidade da harmonia
Que se traduz no encontro.
O encontro é a revelação
Do mistério que se faz divino.

Os diferentes se encontram
E fundem-se sem medo.
O velho torna-se novo e
Eu dissolvo-me em seu corpo.


Reluz

Fotografia de Diane Arbus


Quem empunha esse punhal
Que me tira a vida?
Quem me sacode
A beira desse abismo denso,
Lançando-me ao rio da morte?
Ondas imensas cobrem-me
Com poderoso alcance,
Mas sou resgatada aos pedaços
E colada
Num fio de luz
Que reluz.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Desejo


Pintura de Adolphe William Bouguereau

Vem e sacia-me
Desta fome estranha,
Que cresce e possui-me.
Vem alimentar-me
Daquilo que excede,
Que é bem maior
E que me impele a ti.

Já não me basta
Esse alimento que
Quer-se sempre mais!
Meu desejo é chama
Que arde eternamente,
Que vem de não sei onde,
Que não tem fim e nem começo,
Que está aquém de mim.
Disseco-me,
Arrebato-me em ti,
Que fomenta o meu desejo.
Atenda-me agora
Tirano enigmático,
Interpreta-me com seus dedos,
Com suas interrogações,
Que incendiarei para ti.

domingo, 3 de junho de 2007

Bolero de Ravel


Pintura de Hamid Rahmati

Estou presa...
Perpetuo o meu desejo de te ter,
Enlouqueci nesta vontade febril.
Vou derrubando os muros,
Espio pelas brechas...
Só vejo você.
Seus olhos perseguem-me,
Vou vê-los no hangar do avião,
Na cabine de comando,
No saguão das esperas ansiosas.
Estou vivendo em tempo de espasmo.
Vou dissolver a qualquer momento
E prolongar-me até você.
A vida é tênue, tênue...

O grito mais alto
Ainda será um suspiro distante,
Diante dos beijos que vou te dar.
Sou louca...
Vou levando o reflexo de teu olhar

Extraído de meu computador.
Nada mais tem importância
Se é para você que volto.
Debruçarei-me em teus joelhos
E nessa ilha de êxtase,
Conhecerei um sol que não é dos trópicos.

Em cada volta que dou em mim mesma,
Você está mais perto.

Serei visitada pelo fogo celeste,
Quando você se tornar real.
Em mim, não haverá lugar para o
medo,
Porque serás todo certeza.
Estarei sempre sonhando,
Dançando um bolero de Ravel.