sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O Grito

Tela de Odd Nerdrum

E caiu sobre mim
Um silêncio de seta.
Mergulhou-me atingindo
O alvo certo.
Implacável absorveu-me inteira
E eu fechei minha boca quieta.

Em cada fenda decifrei soluços
E minha voz
Falou para mim mesma.

Precipitou-se na pele
Rumo a minha boca.
Absoluta de tudo,
Trabalhou devagar um caminho.
Desfiz de mim uma voz meio rouca,
Fui obrigada a ceder seu carinho.

Enfim essa intimidade
Desfez o enigma do silêncio.
E uma fundição muito louca
Começou a trabalhar
Minha boca.

Gritei até me asfixiar
E ordenei que saísse esse ar.
Começou um desejo crescer,
Num fluxo imenso girando.
Não encontrei outro modo,
Senão gritar bem alto o seu nome,
Que delirando ouviu meu comando.

Relatividade

Tela de Jacob Collins

Naquele quarto de espaço
Havia uma contração de desejos,
Uma dilatação temporal,
Permitindo um aumento de massa
À medida que esta
Atingia a velocidade do querer.

Ali começava surgir
O limite maximo
De nosso universo,
Onde ajustávamos
As palavras aos gestos.

O tempo passa mais devagar
Para quem está se movendo
E íamos a velocidade da luz.
Naquele encontro de partículas,
Tínhamos o magnetismo
Das forças opostas que se atraem.

Quietos e sem fôlego,
Esperávamos sozinhos,
Em silêncio.
Arrebatados nos contorcíamos
Perante a energia
Que entornava saliva,
Ancorava cadências,
Querendo sempre mais e mais
Do mundo côncavo e convexo.

Um mundo que descortinava
A pele que sempre nos cobria.
Que nos sacudia num ritual perpétuo
E nos consumia numa eternidade de desejos.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Vida e Morte

Tela de George Frederick Watts

A constatação é real.
Estou pairando no ar,
Numa densa nuvem de vapores.
Olho o inacreditável.
Vejo-me iluminada
E quase não me reconheço.

Estou para entrar
Na Porta da Transformação
E na transversal do tempo,
Oriento-me para uma
Possível redenção.

Eu sou a idéia de Deus
E estou aqui para ser.
O horizonte se posiciona
E a vida se mostra
Em toda sua grandeza
Fazendo sombra à morte.

Irrompo, penetro,
Aprofundo-me neste horizonte
E sou atravessada por dentro,
Por uma realidade
Colhida como a um fruto proibido,
Suculento e legítimo.

Sinto-me repleta de vida
E vazia de morte!

Esperança

Tela de George Frederick Watts

Princesa de olhos negros
Que traz a alma sofrida,
Levante a cabeça agora
Pois a vida não é perdida.

Sou um cavaleiro errante
Que suspiras quando tu passas,
Sou um doido, um varrido,
Um amante sem amante.

Caixa de Metal

Tela de Feng Zhengxing

Havia no bosque um trinado
Parecia um pássaro encantado
Preparando o despertar.

Eram notas de harmonia,
Com certeza só podia
Ser de um rouxinol real.

E todos os dias bem cedo
Lá no bosque de carvalhos
Ele se punha a cantar.

Embalava os meus sonhos
Que vagava entre as folhas
Me fazendo suspirar.

Como deve se bonito,
Que plumagem exuberante
Esse pássaro terá.

Avistar o seu semblante
É meu desejo constante
Que bonito deve ser!

Mas como a vida é cheia,
De ironia e mazelas,
Descobri que o canto forte
Do lindo pássaro real,
Vinha mesmo lá do norte
D’uma caixa de metal.

O Silêncio

Fotografia (desconheço o autor)


Cada vez que penso em seu nome,
Ele repercute em meu quarto,
Prolonga-se,
Povoa o silêncio.
Quero que volte,
Quero descobri-lo novamente.
Quero tirar de nós essa
Espessura de silêncio.
O mundo se agita a minha volta,
Mas é no silêncio que te encontro.
Meu corpo está encerrado no silêncio.
Vejo uma paisagem
De aurora trêmula atrás da vidraça.
Mas é no silêncio
Que vou construir o meu dia.
Esse tumulto em meu coração
Deixará de ter sentido
Quando te vir novamente.
A luz do dia baterá em meu rosto,
Extinguindo tudo o que determina
A suavidade,
O perfume e a debilidade das
Coisas vivas.
Quando estiveres novamente comigo,
Minhas mãos irão acariciar
Seu lindo rosto
Com a ponta dos dedos
E o silêncio estará dormindo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Vento Sul

Tela de Jacob Collins

Um tremor de folhas,
Um vento que espalha,
Sonhos, súbitos
Que embalam silêncios...
Atravessou minha porta,
Rindo, rindo...

Quebrou a vidraça,
Grudou-se em meu corpo,
Fez-me amor
E arrastou-me, tonta, sufocada,
Com sua lufada tão quente.

Fiquei pendente e sem fala
No beiral dessa torrente,
Que sacudiu todo o dormente
Da porta do coração.

Agora espero em ânsia
De te ter me enrodilhando,
Num tufão ou numa brisa,
Que arranque o meu portão.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A Espera

Tela de Dante Gabriel Rossetti

Sabes aquela que tu conheceste
Voando ao vento?
Que te procuravas ansiosamente
Cega de amor?
Que se enrolava em teu corpo
Nua a arder de desejos?

Agora é uma sombra escura,
Cortante como lâmina,
Emissária de gritos,
Ressurgida do abismo ,
Fria como água oceânica.

Anda sempre em redemoinho,
Antecipando encontrar caminho,
A fagulha de um olhar que se perdeu,
Ainda a espera de um gesto teu.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Branca Lua

Lua Azul (desconheço o autor)

Translúcida lua
A mostrar-se nua.
Soluçando acordes
De uma canção sem fim.

Caminha como uma sentinela,
Num indiferente passeio
Na imensidão da noite.
Quando se mostra no firmamento
Vira o arquétipo da paixão.

E no silêncio do espaço
Torna-se ingênua e dança,
Num vestido bordado
De vapores e cores.

Para impressionar-me,
Revela-se branca e pequena
E eu a vigio,
Objeto de meu desejo,
Brilhante pérola de nácar.

Segue presa num colar cósmico,
Deixando-se refletir e embalar,
Entorpecida pela mãe Terra
E pelas marés que tecem o mar.

sábado, 4 de agosto de 2007

Tempo de Semear

Tela de Joseph Wright

Ama-me meu querido
Que me entrego inteira e sem medo.
Não demores,
Pois este é o tempo
De semear e de regar colheitas.
Vem com aquela coragem
De lavrar intermináveis procuras.
Vem antes que o tempo
Dê voltas e de nós
Não reste mais ninguém.

A Paixão

Tela de Odd Nerdrun

A paixão reside
No hiato
Entre o desejo e a realização.
Mora na casa da carência
E no quarto da satisfação.

A paixão é uma dor,
É uma expectativa de afastamento
De tudo que o rodeia,
Menos sua emoção.

A paixão é melancolia
Que perscruta a escuridão,
Que afunda numa névoa
De intensa solidão.

A paixão transforma a existência
Em algo que não existe.
Sufoca de tal forma
Cegando e apunhalando,
Sem dó e sem perdão.