segunda-feira, 24 de março de 2008

Luz

Desenho de John William Waterhouse


Minha sombra vai calada
Pelas águas desse rio.
Meu reflexo é a dor
Que vai em meu peito frio.

As flores que ficam as margens,
Olham quietas para mim.
Meus olhos estão perdidos
Dentro das águas sem fim.

Estou imóvel como num sonho,
Parada, esperando a dissolução do medo.
E você vai surgir, perene,
Através de uma luz clara e líquida.
Ondas envolventes me atravessarão
Dissipando minha dor.

domingo, 16 de março de 2008

A Estátua que Chora

Tela (desconheço o autor)


Que a terra me seja leve,
Pois me retiro desta vida
Sentindo um gosto de travo na boca
E o peso pungente da vida densa que se foi.
Toquem árias em flautas de caniço
Para que eu descanse e possa retornar-me planta.
Molhem a terra, que a relva já começa a nascer em mim.
Fiquem e contemplem essa paz única
Que sai de meu corpo inerte.
Não tenho mais arrebatamentos
Que não seja o de te ter em contemplação.
Estou aqui, sem aquela consoante batida do coração.
Os instantes de pesar se foram com o último suspiro.
Aquela que almejava o concreto das coisas,
Aqui descansa em plenitude.
Estou quieta, em estado perene, quase gás etéreo.
O que era se foi,
Deixando-me ser, somente, partícula de poeira.
Nada deixei que valesse um espanto qualquer.
Aos poucos não restou mais nada do que fui.
Agora, o que me consola neste vazio de ar
É essa figura de pedra a me velar.
Percebo o seu silêncio calcário,
Suas asas de penas talhadas.
Sinto por ela mais pena
Do que a pena dela por mim.
Em seu olhar consolador há tristeza e pesar.
Quem sabe, essa lágrima que penso ver,
Seja a mesma que tenho em mim,
Por uma tristeza de ser e não existir.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Langor

Tela de Egon Schiele


Como foi que não me viu.
Não estava eu aqui!
Volte, metáfora de minha ventura.
Que meus dias se perdem sem ti.

Um arauto chegou bradando voz.
“Alguém desliza em carne viva”.
Volto aos lençóis onde há loucura.
Realizo o ritual em opressivo silêncio.

Langor...
Pele abrasada e trêmula,
Queima no vértice de minhas coxas.
Acolho os suspiros abafados,
Que tateiam um gingado desconexo.

Ecos noturnos gemem nas carícias.
Resvalam num imponderável grito.
É minha balada libertina,
Buscando-te num mapa horizontal.