Tela (desconheço o autor)
Que a terra me seja leve,
Pois me retiro desta vida
Sentindo um gosto de travo na boca
E o peso pungente da vida densa que se foi.
Toquem árias em flautas de caniço
Para que eu descanse e possa retornar-me planta.
Molhem a terra, que a relva já começa a nascer em mim.
Fiquem e contemplem essa paz única
Que sai de meu corpo inerte.
Não tenho mais arrebatamentos
Que não seja o de te ter em contemplação.
Estou aqui, sem aquela consoante batida do coração.
Os instantes de pesar se foram com o último suspiro.
Aquela que almejava o concreto das coisas,
Aqui descansa em plenitude.
Estou quieta, em estado perene, quase gás etéreo.
O que era se foi,
Deixando-me ser, somente, partícula de poeira.
Nada deixei que valesse um espanto qualquer.
Aos poucos não restou mais nada do que fui.
Agora, o que me consola neste vazio de ar
É essa figura de pedra a me velar.
Percebo o seu silêncio calcário,
Suas asas de penas talhadas.
Sinto por ela mais pena
Do que a pena dela por mim.
Em seu olhar consolador há tristeza e pesar.
Quem sabe, essa lágrima que penso ver,
Seja a mesma que tenho em mim,
Por uma tristeza de ser e não existir.