sábado, 25 de setembro de 2010

Cosmo

Tela de Bob Eggleton


O voo é breve como a pluma leve.
O espaço do céu é exato e se mede
Como contas de um colar
Num desenho cósmico. 
Flutuam como planetas
Rumo aos jardins de Deus.

Frágil alaúde de cordas de poeira
Toca o som da passagem revoada
Dos pássaros de fogo.
Segue o mais forte rumo ao sol,
Incandescente como o riso de crianças.

Carícia de canção de quem se atreveu
E fez valer a pena cada som tangido nas cordas.
Busca o alvo no céu, e a nuvem que calma.
Encontra o mar dentro dos olhos
E a chuva no coração.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A Voz


 
Tela de James Louis Steg

O invisível se manifestava
Na clave de sol, quase irreal.
Pianíssimo fulgurante,
Quase orgânico de matéria sonora.

Fazia da música o seu rito de passagem
Colocando-se inteiramente
Ao ritmo do coração.

Chegou perto da certeza do canto,
Para perder-se novamente
Dentro da suavidade da canção.
Ela, despretensiosamente...
Abafava sua voz.

Durante o dia tocava a melodia esquecida,
Sabendo que daquelas teclas
Sairiam labaredas de fogo
E as portas se abririam
Através das chamas que saltavam.

Quando a noite chegava
Com seu opulento silêncio
Acordava com o som
De suas cordas vocais.

O Encontro


 Tela de Vasnetson Victor Mikhailovich


Buscávamo-nos os dois,
Por muitos séculos.
Cada barco que apontava no cais
Era uma esperança.

Cada sombra que surgia era perscrutada
E vasculhávamos cada alma nova
Que ansiava pela luz do mundo.

Do negro crepúsculo ao clarão da aurora
Buscávamos um ao outro
Desmanchando a teia
Que emaranhava nossa visão,

Cada dia era repleto de ansiedade,
Cada hora era temida,
Porque sempre terminávamos sozinhos.
Nascíamos e morríamos sem nos encontrar.

Até o dia em que olhando no espelho,
Vi sua imagem atravessá-lo
E docemente me abraçar dizendo ser este
O último dia de nossa espera.

Um Lugar no Paraíso


Tela de Carl Frederik Peder Aagaard


Um dia acordei sentindo
Saudades de um lugar.
Comecei a medir o tempo,
A contar as horas
E desenhar mapas.

Uma luz inconcebível
Brotava dos meus olhos.
Uma imagem se formava
Acenando-me do meio
Do pó dos sonhos.

Comecei a decifras sinais.
Estava certa que eles eram um aviso
Sobre eu ter vislumbrado o Paraíso.

Dei para celebrar encontros.
Estabeleci em mim
Uma urgência de viagem
E preparei o dia desse destino.

Os jardins rodeavam o templo
Trazendo o frescor da manhã.
Justifiquei cada flor apanhada,
Para entregar-lhe, junto com
Minha falsa serenidade.

Prometi a mim mesma
Entrar nesse lugar despida de pudores,
Mas meu rosto estava rubro
E meu corpo tremia.

Nascia dentro de mim
Uma musica de promessas.
Desatei-me do que me confundia
E me pus nua.

No pátio de sua casa
Andei em círculos e fui desvendando
Cada eco de seu chamado distante.

Teci para mim uma túnica de orvalho
Para deitar em sua rede.
E senti gritar em minha pele
O último dia de espera.

domingo, 19 de setembro de 2010

Rio Nilo


Tela de David Edward Linn


Quanto tempo vai durar
O meu dia nessa noite escura?
Vou de volta ao palácio das brisas,
Com suave perfume de rosas,
Onde se encerram os suspiros.

A estrada das tamareiras é real
E eu caminho em busca do sol.
Meu destino segue embriagado,
E quem o conduz é cego
E desconhece essa paisagem invisível.

Dunas de areia vão se levantar
Formando montanhas entre as brumas
Do sonhado, mas eu acharei o seu caminho,
E seremos levados sem conta nem tempo.

Estou afundando neste sono
E nesta noite de espera,
Sendo para você
A mais delicada sombra
Que vai se arrastando
Para o centro do crepúsculo.

Encontro um rio mitológico
E bebo na fonte de um Nilo
Que reflete a aurora.
Ele coloca o sonho numa
Selvagem desordem.

O deserto me arrebata,
Rouba minha sombra
E meus dias de ilusão.
Solto minhas mãos
Que ficaram em espanto
Procurando você nessas águas.

Sou colocada numa noite de febre,
Num deserto de dunas que venta desejos.
Nossas almas virão para dentro do corpo,
Se soltarão absolutas,
Em busca dos gritos, antes que nossos
Abraços se arredondem na superfície desse rio.

Menina


 Tela de Nick Alm

Amanhã estarei de novo menina.
O que era claro se tornará enigma
E serei um obscuro espírito
De alguém refletida no espelho.

Ficarei parada no meio do espanto,
E o meu corpo cruzado de silêncio
Saberá que no meio do rumor do dia
Estarei de novo menina.

O coração buscará palavras
Atordoado pela mudança
Que o mistério até então escondeu.

E essa ilusão me fará rubra,
Acordando minha imagem de mulher,
Serei igual quando eu era outra
E o espelho rirá de mim.

sábado, 18 de setembro de 2010

Barco à Deriva


Tela de Nicholas de Stael

Todo esse caminho percorrido
Nos dias desse tempo de tormenta
Me preparava para a inconcebível
Chegada da noite.

Naveguei toda a costa do mar interior
E não pude encontrar satisfação em nada.

Nem um relâmpago revelado,
Algo que me sacudisse
Mostrando uma centelha de luz.
Um encanto que surgisse
E dissolvesse o horror do espanto
E apagasse esse presente.

Pedi que se estabelecesse,
Um poder transbordante e exato,
Que sacudisse e modificasse
A intenção deste barco à deriva.

Que o mar de lágrimas se tornasse
Um remanso de calmaria
E se pudesse chegar com coragem
Ao fim deste dia.

domingo, 5 de setembro de 2010

Sonho

Tela de David Edward Linn



Meu sonho circulava calmamente
Pelos corredores agitados da premonição.
Sua imagem quase imperceptível
Dançava numa névoa,
Como num oceano distante.

Espirais de fumaça deslizavam
Para um sonho etéreo, me colocando
Dentro de um casulo confortável.

A luz filtrada na pupila
Deixava transparecer sua imagem .
Impulso de miragem,
Frágil figura de névoa quente.

Consolo de sonho, alcance do voo
Prestes a acordar.

Fique em mim esta noite
E escreva o meu nome
Na superfície deste sonho
Que não quer acordar.